Fazia tempo que não fazia aquele caminho, uma rotina que eu levou por dois anos. Rotina muito mais saudável que a que passou a levar logo depois.
No transporte público era possível exercitar corpo e mente, muito mais que dirigindo um carro. Dirigir não lhe permitia nenhuma leitura, a distração se resume a músicas e notícias do rádio. Andar e equilibrar-se em trens e ônibus também é mais exercício físico que pisar em pedais e virar um volante.
Há mais interação humana. Por mais que passe uma hora e meia sem trocar uma palavra (com o telefone talvez, com pessoas ao seu redor não), há esbarrões e olhares, mais saudáveis e menos onerosos que esbarrões no trânsito.
Mesmo com a rotina metrô-trem-ônibus quebrada, ainda fazia aquele caminho de vez em quando. No entanto, passou cinco meses afastado daquela estação. O corredor da baldeação, que sempre fora vazio, agora tinha uma agência bancária e uma nova lanchonete, filial de outra que existia a alguns passos.
Depois, o comércio local continuava igual. Mesmas lojas, mesmos letreiros. O que mudou era a estrutura da estação. As reformas estavam em estágio mais adiantado. Aquele lugar tem agora aspecto mais moderno que no início de minhas viagens. Os usuários agora estão protegidos do sol. O concreto novo ainda está limpo. Também há mais segurança: as redes plásticas de proteção laranja foram substituídas por telas metálicas da mesma cor.
Há costumes que não mudam. Ali é permitido fumar, diferente do metrô, por exemplo. Os trilhos continuam cheios de bitucas. Enquanto fumava prestava atenção lá embaixo, procurando por ratos, hóspedes daquele lugar. Olhou por bastante tempo e não viu nenhum, coisa difícil de acontecer. Talvez a reforma tenha os varrido dali. Outra vantagem, no carro o cheiro de fumaça não ficava só nele, mas no carro também.
Dentro do trem parece que o tempo não passou. O mesmo aspecto, as mesmas pessoas, com as mesmas características. Os vendedores continuam ali, estes não atrapalham. Teve sorte de não cruzar com um pregador, desses ele foge.
Talvez com a necessidade da fuga teria parado de ler por mais tempo, prestado mais atenção na paisagem. Na verdade não deve ter perdido muita coisa. O mais significativo ficava na estação em que desceria. Um dos três terminais de ônibus, justamente o dele, fora derrubado e em seu lugar construído um imenso e moderno prédio que serve como campus universitário.
Alguma procura para encontrar as linhas de ônibus. Enquanto o ônibus não saia, fumou mais um cigarro. Ainda deu tempo para ler em pé, na fila. Mais uma vez ficou entretido com a leitura e não prestou atenção ao caminho. Toda essa leitura fez com que uma hora e meia passasse muito rápido.
Chegando ao destino resolveu alguns problemas no banco. Não tinha mais o que fazer e foi visitar um amigo que morava perto. Passou a tarde lá, sem fazer muita coisa, mesmo assim parecia ter desperdiçado menos seu dia.
Ao cair da noite teria de voltar para casa. Como sempre, o caminho da volta não é o mesmo da ida. Para voltar, bastam um ônibus e um metrô, pulando a etapa do trem. Dessa vez não leu tanto. Preferiu olhar o caminho, que não fazia há tanto tempo, mas que ficou guardado na memória, que tinha tantas histórias. Tinha também o sentimento que faria aquele caminho cada vez menos, que seria cada vez menos necessário. Até que um dia não o fizesse nunca mais.